Há um mês fizeste anos. Já eras oficialmente idoso como me disseste ao que prontamente te corrigi dando-te o estatuto de sénior. A palavra e o conceito de idoso não te assentavam, pois a experiência de uma vida ainda se aliava a uma vivacidade, que embora discreta, facilmente deixavas entrever. Fomos jantar fora, a data era de comemoração e além disso no dia seguinte entraria de férias o que me oferecia uma sensação de tranquilidade.
A espera pela hora de jantar foi feita na minha varanda, contemplando aquela vista que nos enche os olhos e envolvemos o ambiente de som de conversas triviais e de algumas gargalhadas. Jamais esquecerei este fim de tarde, descontraído, em que a conversa fluiu sem pressas, assim como jamais voltarei a contemplar aquela vista da mesma maneira.
Seguimos para uma esplanada à beira-mar e num ambiente informal comemos e bebemos uma refeição agradável. Sei que não gostávas propriamente de fazer anos, porque o peso da idade não te era indiferente, mas gostavas dos mimos inerentes a este dia.
Dias depois rumaste a Sul ao nosso encontro e gozámos juntos uns dias de férias, serenos, com muita praia e Sol e em que demos ao descanso o direito de se impôr. Não houve alertas nem sobressaltos de que algo não estaria bem. Não houve qualquer índício que nos levasse a crer que o bem estar que sentiamos não era verdadeiro. Deixámo-nos levar à velocidade do tempo e ao simples prazer de estarmos juntos que, sem o sabermos seria a última vez.
O último dia que te vi foi passado em família, num ambiente que sei que tanto apreciavas e que hoje tanto se ressente com a tua ausência. Sentados à mesa disseste, como tantas vezes já havias dito, que gostarias de viver até aos 100 anos, e eu sei que era verdade. Eu sei que gostavas muito de viver.
Mas depois, depois numa manhã foste levado pelo vento, numa rajada implacável, que de tão forte e tirana não nos deu qualquer hipótese de te agarrar. A vida pode ser tão frágil, tão avassaladoramente frágil. E esse vento trouxe o vazio, o desespero, a angústia, a incredulidade, e dor muita dor.
É tão difícil saber que já não existes para além das nossas memórias. Revejo-te em tanta coisa minha mas não te vejo. E dói, dói muito. Sinto-me a viver numa redoma onde o ânimo e a alegria não encontram a porta de entrada e tento aprender a viver de novo ainda que assaltada por mil e um receios que não consigo evitar.
Tento erguer as minhas armas na luta contra estes sentimentos destruturantes, talvez a escrita possa ser uma delas, mas o alívio parece que tarda a chegar.
Novamente surge a esperança de que o tempo possa ser o calmante da vida.
Nota: obrigada pelos comentários ao meu post anterior. Dirigiram-me palavras lindas e sensíveis que me reconfortaram. É bom sentir que a empatia faz parte deste mundo. Os meus mais sinceros agradecimentos.