terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ecos

Já perdi a conta às vezes que:

  • Os meus pensamentos caminharam na mesma direcção proibida,
  • Os meus sorrisos disfarçaram lágrimas e as minhas lágrimas foram preâmbulos de sorrisos,
  • Dei a mão à esperança para depois a perder e para depois a reencontrar,
  • Fui invadida por uma ansiedade paralisante, resistente a gestos e a palavras,
  • Me senti sufocar numa existência toldada,
  • Temi ouvir certas palavras e encarar determinado futuro,
  • Pensei em falar, para depois me esconder, para decidir omitir,
  • Tentei sair de mim e constatei que é impossível,
  • Renasci e que encontrei forças das quais desconheço a origem,
  • Me ouvi a mim própria em lamúrias, em vozes introspectivas, numa aflição desgovernada,
  • Decidi pela vida, pela felicidade e pelo meu bem-estar,
  • Perdi as referências para me reencontrar em pequenos significados,
  • Constatei que me encantam as pequenas boas surpresas,
  • As minhas palavras não chegam mas que me emociono com as palavras dos outros.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Aroma a Outono


De um esboço passou a definitivo e os seus indícios subtis transformaram-se em evidências. Custa-me sempre despedir do Verão e por isso gosto destes Outonos envergonhados que nascem discretos e que apenas se revelam já no seu meio-termo e somente quando o Inverno já se aproxima.

É nesta altura que inicio o meu processo de mentalização para o iminente contacto com o frio, algo que verdadeiramente não gosto, e engano o meu cérebro procurando as vantagens que só este tempo me oferece. É que quando sinto frio não sinto mais nada, o frio ofusca-me todas as demais sensações que possa experienciar, agindo como um tirano perante os meus sensores. Dêem-me frio e fico inerte, dêem-me calor e ressurjo.

Apesar de tudo é Outono e há aromas de Outono que são aromas de amora.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Construir o optimismo

Tenho pena que não sejamos uma sociedade optimista e que vivamos sob a doutrina do “quanto maior a subida maior é a queda”, fugindo por isso aos grandes sonhos e ao correr riscos. Tenho pena que as desgraças vendam sempre mais que as alegrias e que vivamos sob o paradigma da psicologia pela negativa em que mais vale pensar que é mau e depois ser bom do que pensar à partida que é bom e depois ser mau.

Tal como para a maioria dos portugueses o optimismo em mim não é inato, nem fruto da minha educação. Não fui educada para acreditar que tudo acabará bem nem cresci somente a ouvir falar de contos de fadas. Pelo contrário, o meu optimismo tem sido construído (à custa de muitas crises) e é fruto da minha força de vontade e da minha crença de que se viver não é fácil mais difícil é se não formos felizes e para sermos felizes temos de ter algum optimismo perante a vida.

Esforço-me por isso a cada momento por conseguir impor algum humor às situações adversas da minha vida e em retirar delas ensinamentos, em controlar os meus pensamentos destrutivos e em dar vida aos construtivos, em orientar as minhas emoções para actividades edificantes, em imprimir a esperança no meu quotidiano e a prossecução de sonhos, em ser capaz de gerir o meu destino e não ficar à mercê de uma existência que não escolhi.

É certo que não são excepções as vezes em que me sinto a lutar contra uma maré, a querer construir um percurso que o acaso destrói, em querer voar com as asas cortadas. Nessas situações tenho de voltar a insistir, porque o optimismo também se constrói de persistências.

Por isso tenho pena que a educação para o optimismo não seja uma prática na nossa sociedade e que o ditado “tristezas não pagam dívidas” não passe de um cliché, que inúmeras vezes se diz, mas que raramente se cumpre.




segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Um copo vazio está cheio de ar

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar

É sempre bom lembrar
Guardar de cor
Que o ar vazio de um rosto sombrio
Está cheio de dor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor
Que a dor ocupa a metade da verdade
A verdadeira natureza interior
Uma metade cheia, uma metade vazia
Uma metade tristeza, uma metade alegria
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

Gilberto Gil

Escolhi estas palavras como etiqueta do meu estado de alma. Se por um lado me sinto como um copo vazio, cujo ar ocupa o lugar daquilo que perdi, por outro lado sei que a dor que emana desse vazio é apenas metade da minha essência, que apenas se vê completa com o aconchego de uma outra metade, mais alegre e optimista.
Estas palavras também demonstram que mesmo no vazio mais evidente, existe algo que o preenche, ainda que esse algo seja invisível, ainda que esse algo seja demasiado subtil, ainda que para o conhecermos seja preciso ver e não apenas olhar.
A pouco e pouco vou tornando este ar que preenche o meu vazio mais palpável, mais evidente, mais aromático. Vou abandonando a minha miopia e vou-me permitindo ver que tenho muito para encher este copo.
Oxalá um dia o transborde!