quinta-feira, 23 de abril de 2009

Livros no plural


No dia mundial do livro a pergunta da praxe é “Então e qual é o livro da tua vida?”.
Lamento mas para mim é-me impossível responder a isso. Eu acho que quanto mais se gosta de ler, quanto mais se lê, mas difícil se torna eleger as palavras escritas que mais me tocaram.

Porque há aquele livro em que adorei a personagem, porque há o outro em que me deixei deslumbrar pela estilização da escrita, porque há o outro tão bem descrito que me arrepia, e o outro em que a comédia e o sarcasmo são utilizados de forma inigualáveis. Porque há a poesia, há o romance, as biografias e os ensaios, porque existem acima de tudo palavras.

O livro da minha vida será concerteza aquele que ainda não li e aquele que eu gostaria de escrever um dia.

Nessa altura não me importava nada de saber escrever com as técnicas narrativas do Carlos Ruiz Zafón, com uma pitada do discurso sarcástico do José Saramago, um pouco da intrincada visão sobre a natureza humana do Milan Kundera, completados com a veia poética mais insólita de um Pessoa ou Cesariny.

Por agora deixo que as palavras me toquem, e as estórias me enlevem e que na minha vida não haja um livro no singular mas que abundem no plural.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Segredos em grãos de areia




Posted by Picasa

Os grãos de areia desta praia guardam segredos meus da mesma forma que eu conheço de cor a temperatura das suas águas e o sabor do seu mar salgado. Foi palco privilegiado de uma adolescência recheada de muito Sol, de pegadas percorridas em dunas sem acusar o mínimo cansaço, de recordações de aromas de uma flora seca e espinhosa, de gargalhadas perdidas num areal cujo fim apenas era conhecido pelo vento que as levava, de beijos trocados com sabor a Verão e temperados pela paixão. Areias brancas e finas que na minha memória ainda se colam aos meus pés enquanto corro do primeiro mergulho do dia.

Hoje os grãos de areia desta praia transformaram-se, vão ser pisados por outras gentes que não aquelas da cidade que a reconhece como sua. Hoje esta praia está organizada, bonita, charmosa, aburguesada, preparada para receber oferecendo o melhor do que o turismo tem.

Enfeitada por uma arquitectura primorosa, por jardins impolutos, pelos azuis contrastantes do seu mar e das inúmeras piscinas que a ornamenta, esta costa paradisíaca ganhou beleza pela mão humana ao mesmo tempo que perdeu em simplicidade, pacificidade e naturalidade, reconhecíveis apenas por quem a conheceu por desbravar.

Por isso as gentes da cidade que a olha de longe sentem-se traídas, furtadas a um património que sentiam como seu e receosas do futuro lhes reservar um acesso desigual.

Nada será igual é certo mas naquelas areias continuam os meus segredos, a minha herança deixada a uma praia que não sendo minha, é de toda a gente e não é de ninguém.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Para vocês...

É verdade ou mentira que um verdadeiro amigo não se mede pelo quanto gostamos dele mas acima de tudo, pelo quanto ele nos faz gostar de nós mesmos?


Para mim é verdade.

E atenção que não estou a falar da capacidade de me fazer gostar daquilo que sou pelo "passar a mão pela cabeça", pela protecção excessiva, pela mentirinha piedosa. Estou a falar da capacidade em me elevar a auto-estima fazendo-me evoluir, fazendo-me decidir por mim, sendo sincero tanto na crítica quando a situação o exige, como no elogio quando a ocasião o merece. Estou a falar do amigo que me aponta erros, ainda que mos possa ajudar a corrigir, mas nunca perdendo de vista o crescimento da minha autonomia. E falo obviamente do amigo leal, daquele que podendo não estar o estará sempre, e que nunca me deixa a duvidar que a amizade existe.

terça-feira, 7 de abril de 2009

As coisas têm mais encanto na hora da despedida

As despedidas fazem parte da vida e mesmo quando aparentam ser um adeus de menor importância, eis que nos apercebemos que qualquer despedida tem o seu quê de melancolia e de pesar.

Em breve ter-me-ei de despedir da casa dos meus avós. Não posso dizer que esta casa me fosse especialmente querida ou que ocupasse demasiado o meu imaginário infantil, mas ao decidir pela sua venda dei por mim a aperceber-me que aquele espaço encerra tantos acontecimentos em mim adormecidos. Foi ali naquele quintal que aprendi a andar de bicicleta, que enchi os meus joelhos de marcas físicas que nem magoavam perante o orgulho de conseguir pedalar sem ajuda. Foi ali que tirei as primeiras fotos com o meu primeiro fato de Carnaval, tão pequena era que apenas a fotografia me evidencia que aquele fato realmente existiu.

Foi ali que afaguei pela primeira vez um coelho recém-nascido que cresceu ao ritmo de todo o amor que hoje nutro por animais. Foi ali que me especializei a apanhar borboletas, desenvolvendo técnicas de hipnotismo junto destes insectos que me impressionavam pela sua capacidade de metamorfose. Foi ali que perdi o medo das lagartixas e que hoje me faz fazer figura de valente perante tantos outros que se arrepiam só de vislumbrar este “simpático” bichinho.

Foi ali que colhi rosas e apreciei vezes sem conta o abrir pontual das flores “do meio-dia”. Foi ali que tentei pela primeira vez lavrar a terra, plantando batatas, semeando couves e que me apercebi da dureza da vida do campo e que enxadas e ancinhos dificilmente fariam parte do meu dia a dia. Foi ali que ajudei a fazer queijos, que depenei galinhas e comi morangos silvestres.

Foi ali, quase sem dar por isso, quase que sem isso se tivesse retido nas minhas privilegiadas lembranças, que fiz tanta coisa pela primeira e única vez na vida e quase que me esquecia de não as esquecer.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

medos paradoxais

E o que dizer daqueles medos que se nos apegam? Que nos arrastam nos seus despropósitos?
O que fazer daqueles medos que convivem connosco sem que exista convite prévio nem amizade recíproca? São colas, adesivos, grudes, ataduras, ligaduras, elásticos, que nos apertam, esmagam, sufocam, mas em nada nos seguram.

Como lidar com medos que são traços de nós, infiltrados, e a cada momento replicados? Haverá cura para medos ancestrais? Existirá solução para medos reais ainda que apenas imaginados? Haverá realidade que prove que medos imaginados podem ser infundados mesmo para quem os sente?
Haverá medos cobardes que desaparecem perante a força de um pensamento persistente? Existirão pensamentos que aguentem a pressão de um medo insuflado pela arrogância do seu posto de veterano?
Há medos que nascem, medos que se criam, medos que se adoptam e a todos se repudia.

Não há razão que arranque o medo de quem o tem, não há medo que se afaste de um alguém que já domina. Resta apenas o conviver, o aprender a conhecer, o partilhar a vivência, mas sem afeições, sem resignações e sem nunca permitir que o medo domine nas escolhas ainda que estas estejam somente dele impregnadas.